quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Direitos Humanos na Prisão - Prêmio Educação 2009

E era nada de nem noite de negro não
E era nê de nunca mais
E era noite de nê nunca de nada mais
E era nem de negro não
Porém parece que hágolpes de pê, de pé, de pão
De parecer poder
(E era não de nada nem)
Pipoca ali, aqui, pipoca além
Desanoitece a manhã
Tudo mudou”

O projeto de extensão Direitos Humanos na Prisão que coordeno juntamente com a Marcia Elayne Barbich na FADIPA recebeu o prêmio Educação 2009 do SINPRO. A premiação nos preenche de satisfação, afinal é o reconhecimento de um trabalho de quase cinco anos. Nasceu pelas mãos da Vanessa Chiari Gonçalves, quando a Faculdade de Direito do IPA engatinhava, seguiu por sua inspiração.
Inicialmente foi chamado Direitos Humanos do Preso, mas a experiência acumulada nas ações do projeto demonstrou que a problemática prisional compreendia uma complexidade que se amplia, capilarizando-se para além do apenado. Há uma abundância de sobrepunições envolvendo funcionários, familiares e sociedade em geral. No pós-panoptismo brasileiro todos estamos de alguma forma enredados nas linhas de força enunciadas pela realidade prisional. Nesse sentido, a prática superou a teoria e apontou para a necessidade de deslocamentos.
Assim como inúmeras outras ações da FADIPA, construímos um campo de discussão dos Direitos Humanos na Prisão que envolve servidores civis e militares, apenados, familiares, discentes e demais profissionais de áreas afins no qual a experiência opera junto com a teoria e pretende ir além tanto do bacharelismo acadêmico quanto do pragmatismo suicida dos esquadrões punitivos. Eis o marco teórico-metodológico: o imperativo do diálogo, portanto do dialógico, do enfrentamento de diferentes visões e da desconstrução do senso comum.
Antes mesmo de Hanna Arendt, mas desde as Eumênides de Ésquilo refletimos sobre o poder de perdoar como ato de refundação dos sujeitos sociais. Tememos a palavra, sem dúvida, por seus conteúdos apropriados pelo cristianismo e como acadêmicos docentes ou discentes não queremos passar por militantes ingênuos. Nas ações do projeto pensamos a possibilidade de enfrentar essa tensão que, como lecionava a filósofa alemã diz respeito essencialmente a experiência com o outro. Dessa forma, almejamos romper o círculo desastroso entre vitimas e carrascos, movendo-nos na direção de uma alteridade possível.
No aterro sanitário e social brasileiro, quem deseja matar todos os presos (como ouvi numa sala de aula em 2004) esquece que isso tornará inviável a sociedade. São vozes vitimizadas da nossa desigualdade crônica, de carrascos de plantão que plantam o fim de nossa possibilidade de viver social. Mas apontar indiscriminadamente para os presos como “vítimas do sistema” sem imputar-lhes as responsabilidades pelos seus atos é tão irresponsável quanto o desejo punitivo irrefreável. A vitimização social desconstrói a sociedade por que desconstituiu os sujeitos sociais, invalidando seus discursos e reiterando a irresponsabilidade de suas ações
Enfrentamos os desafios do perdão no ato educacional extensionista. Dizemos aos alunos nas visitas as casas prisionais que não perguntem ao preso o que o ele fez. Exercitamos o espiral da superação da díade crime-castigo e/ou vítimas-carrascos, privilegiando as experiências vividas. Acreditamos como Hanna Arendt que uma sociedade se constrói e se projeta na contemporaneidade pela reconstituição incessante de suas relações sociais. O perdão restaura o humano em sua sociabilidade nos termos do Respeito e da Responsabilidade condição indispensável para o exercício dos Direitos Humanos, dentro e fora de nossas prisões sejam elas quais forem.